João
Calvino (Noyon, 10 de Julho de 1509 — Genebra, 27 de Maio de 1564) foi um
teólogo cristão francês. Calvino teve uma influência muito grande durante a
Reforma Protestante, uma influência que continua até hoje. Portanto, a forma de
Protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecido por alguns pelo nome
Calvinismo, mesmo se o próprio Calvino teria repudiado contundentemente este
apelido. Esta variante do Protestantismo viria a ser bem sucedida em países
como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os
africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos da América.
Nascido
na Picardia, ao norte da França, foi batizado com o nome de Jean Cauvin. A
tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a
origem ao nome "Calvin", pelo qual se tornou conhecido.
Calvino
foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu
afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto,
gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e
acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das
perseguições aos protestantes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde
faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo
Europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da
cidade e da Suíça.
Martinho
Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de
idade. Para muitos, Calvino terá sido para a língua francesa aquilo que Lutero
foi para a língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma
retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo
de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana. Citando Bernard
Cottret, biógrafo (francês) de Calvino: "Quando se observa estes dois
homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional:
Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras
arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo
pré-cartesiano, precursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que
se identifica pela clareza do estilo".
NOTAS BIOGRÁFICAS
NOYON CALVINISMO
O
avô de João Calvino trabalhava numa cantina em Point-l'Évêque, nas proximidades
de Noyon. Teve três filhos: Richard (Ricardo), que foi serralheiro e se
instalou em Paris, Jacques (Jaime ou Tiago), igualmente serralheiro e,
finalmente, Gérard (Geraldo) Cauvin, pai de João Calvino, que foi aquele que
talvez mais se destacou dos três, tendo feito carreira em Noyon como
funcionário administrativo.
Gérard
Cauvin estabeleceu-se em Noyon em 1481. Foi inicialmente um simples secretário
da chancelaria. Seria, depois, advogado representante do bispado de Noyon; mais
tarde, funcionário relacionado com a cobrança de impostos e, finalmente, o
promotor (representante) do bispado, antes de entrar em conflito com este.
Faleceu em 1531 após uma disputa com o bispado, pela qual foi excomungado. A
autorização para o seu funeral seria deveras dificultada devido a esta querela.
A
mãe de Calvino, Jeanne Le Franc, de seu nome de solteira, era filha de um dono
de uma hospedaria em Cambrai, que tinha enriquecido. Jeanne faleceu em 1515,
quando João Calvino tinha apenas 6 anos de idade.
Gérard
e Jeanne tiveram quatro filhos:
Ø
Patrícia
Ø
Charles
(Carlos) - o mais velho, foi padre. Faleceu em 1536.
Ø
João
Calvino.
Ø
Antoine
(Antônio) - iria mais tarde viver em Genebra, junto do irmão.
Ø
François
(Francisco) - morreu ainda em tenra idade.
Haveria
ainda duas irmãs, que nasceram do segundo casamento de Gérard. Uma chamou-se
Marie (Maria) e iria também viver em Genebra. Da outra irmã sabe-se pouco. João
Calvino nasce a 10 de julho de 1509, nos últimos anos do reinado de Luís XII. Freqüentou
inicialmente o "Collège des Capettes" em Noyon, onde adquiriu
conhecimentos básicos de latim.
Em
1 de Janeiro de 1515 o rei Francisco I de França, sucedeu a Luís XII.
Inicialmente moderado em matéria de religião, a postura deste rei foi
endurecendo ao longo do seu reinado, terminando na perseguição declarada dos
protestantes. Pela Concordata de Bolonha, assinada no início do seu reinado, o
papa Leão X concedia ao rei da França o direito a nomear os titulares dos
rendimentos da igreja. Em contrapartida, o Papa via reforçados os seus direitos
sobre a Igreja em França.
Em
1521, com doze anos, João Calvino ganhou o direito a uma "benefice",
ou seja, um rendimento anual que era concedido a elementos e familiares da
hierarquia da igreja. No seu caso, consistia numa determinada quantia anual de
cereais pagos por uma comunidade de La Gésine.
Em
1521 ou 1523 (data incerta) o pai enviou-o a Paris. Terá provavelmente vivido
inicialmente com o tio Richard, na zona de Sain-Germain-l'Auxerrois. Calvino
começa por freqüentar o Collège de la Marche, onde foi aluno de Maturin
Cordier, um grande pedagogo do tempo. Estabeleceu, aí, amizade com as crianças
da família d'Hangest, do bispo de Noyon, que se assumia, de certa forma, como
protector dos Cauvins. Os seus amigos eram Joachin (Joaquim), Yves (Ivo) e
Claude (Cláudio), a quem mais tarde dedicaria o seu comentário a "De
Clementia" de Séneca, um autor conhecido pelo seu estoicismo.
Foi,
de seguida, admitido no Collège Montaigu, uma escola de má reputação, conhecida
pela sua rigidez, pelas sovas e má comida. A lista de professores em Montaigu,
nesta época, incluía o espanhol Antonio Coronel e o escocês John Mair (que foi
professor de Inácio de Loyola), mas não há provas definitivas de que eles
tenham sido professores de Calvino.
Em
fevereiro de 1525, o rei Francisco I foi encarcerado temporariamente em Pavia
pelas tropas do imperador Carlos V. Com a intervenção do papa Clemente VII a
favor de Francisco, a influência papal junto do rei de França aumenta
consideravelmente. Numa bula de 17 de Maio de 1525 dirige-se a Francisco para
que tome providências contra o crescente número de "blasfemos" em
França e contra os ataques a imagens religiosas.
Em
1 de Junho de 1528 teve lugar em Paris o caso da Rue des Roisiers. Uma figura
de madeira situada nessa rua (uma madona) foi decapitada por desconhecidos. O
rei reage de forma veemente, organizando procissões, que passaram a ser
repetidas anualmente. O incidente ainda era lembrado no século XIX.
ORLEÃES
Em
1529, pouco antes de atingir os vinte anos de idade, a vida de Calvino sofreu
uma súbita viragem. Vindo inicialmente para Paris com uma renda anual concedida
pela Igreja, com o fim de estudar Teologia, ficará a saber que o pai mudou de
planos em relação ao seu futuro e quer que ele siga Direito. A "ciência
das leis torna normalmente ricos aqueles que se debatem com ela", referia
o seu pai (ele próprio um advogado do bispado), segundo as próprias palavras de
Calvino. Cumpriu a vontade do pai e foi estudar Direito para Orleães, mas nunca
deixou de preferir a teologia. Como disse mais tarde: "Se Deus me deu
forças para que eu cumprisse a vontade de meu pai, determinou ele pela providência
oculta que eu tomasse finalmente um outro caminho" (o da Teologia).
Inicialmente Calvino preparava-se para ser padre, enveredaria pelo estudo do
direito, mas Deus trouxe-o de novo ao caminho da Teologia.
O
biógrafo francês de Calvino, Bernard Cottret, escreve: "Direito e leis:
Calvino, o teólogo, é no fim, também, Calvino, o jurista. O seu pensamento fica
marcado pela austeridade, a adstringência e a geometria da lei, pelo seu
fascínio ou aspiração a ela. No início do século XVI assiste-se no Direito a
uma verdadeira revolução. A retórica de Cícero toma a primazia sobre a
filosofia medieval, que se sustenta nos seus silogismos. Com a interpretação de
textos jurídicos, Calvino toma contacto pela primeira vez com a Filologia
humanista". O humanismo e o renascimento são, pois, os movimentos
culturais que o vão influenciar em primeiro lugar. [1]
Em
Orleães, Calvino foi influenciado pelo seu professor Pierre de l'Estoile. Em
1529, dirige-se também a Bourges, para assistir a aulas do famoso professor de
direito italiano Andrea Alciati, onde também assiste a aulas do alemão Gräzist
Wolmar, que o entusiasmou pela literatura grega da antiguidade. Em 1529, Louis
de Berquin foi queimado vivo em Paris, numa altura em que o rei, Francisco,
estava fora da cidade. Em 1531, Calvino, num prefácio ao livro de um amigo,
toma partido pelo seu professor Pierre de l'Estoile num texto que explora a
disputa entre este e Andrea Alciati, talvez por lealdade e nacionalismo. O que
prova que o Calvino de 1531 ainda não é um reformador mas, acima de tudo, um
humanista. Neste mesmo ano morre o pai, Gerard Cauvin. Calvino vai a Bourges, a
Orleães e regressa de novo a Paris, onde se instala em Chaillot.
Em
1532, foi doutorado em Direito em Orleães. O seu primeiro trabalho publicado
foi um comentário sobre o texto do filósofo romano Séneca "De
Clementia". Calvino cobre os custos da publicação do livro com dinheiro do
seu próprio bolso. Aos 23 anos era já um famoso humanista, seguindo os passos
de Erasmo de Roterdão, que também escreveu sobre Séneca nestes anos. Em
"De Clementia" não há da parte de Calvino uma alusão explicitamente
religiosa. É antes uma obra que reflecte o estoicismo de Séneca e a
predestinação no sentido estóico. Séneca escrevera o texto como forma de apelar
Nero à moderação e à razão.
Até
1532 não há, como se viu, qualquer indício de que Calvino tenha aderido à nova
fé - nos seus diferentes focos e graus que surgem pela Europa - onde o
Luteranismo surge como um movimento mais moderado e os anabatistas como uma
força mais radical. A conversão de Calvino ao protestantismo permanece envolta
em mistério. Sabe-se apenas que ela se deu entre 1532 e 1533 (Calvino tem 23 ou
24 anos). Um texto escrito por Calvino em 1557 como prefácio ao seu comentário
sobre os salmos oferece-nos alguns parcos pormenores:
Após tomar
conhecimento da verdadeira fé e de lhe ter tomado o gosto, apossou-se de mim um
tal zelo e vontade de avançar mais profundamente, de tal modo que apesar de eu
não ter prescindido dos outros estudos, passei a ocupar-me menos com eles.
Fiquei estupefacto, quando antes mesmo do fim do ano, todos aqueles que
desejavam conhecer a verdadeira fé me procuravam e queriam aprender comigo -
eu, que ainda estava apenas no início! Pela minha parte, por natureza algo
tímido, sempre preferi o sossego e permanecer discreto, de modo que comecei a
procurar um pequeno refúgio que me permitisse recolher dos Homens. Mas, pelo
contrário, todos os meus refúgios se tornavam em escolas públicas. Em resumo,
apesar de eu sempre ter pretendido viver incógnito, Deus guiou-me por tais
caminhos, onde não encontrei sossego, até que ele me puxou para a luz forte,
contrariando o meu carácter, e como se costuma dizer, me colocou em jogo. E, na
verdade, deixei a França e dirigi-me para a Alemanha para que ali pudesse viver
em local desconhecido, incógnito, como sempre tinha desejado.
Note-se
que a França e Alemanha não existiam no sentido de hoje mas sim em termos de
zonas de língua francófona ou alemã. Entretanto, o papa Clemente VII
pressionava o rei de França a reprimir os protestantes franceses. Em bulas de
30 de Agosto de 1533 e de 10 de Novembro do mesmo ano, o papa exortava à
"aniquilação da heresia Luterana e de outras seitas que ganham influência
neste reino". Os dois encontram-se, então, nesse mesmo ano, em Marselha,
onde discutem entre outras coisas a "guerra contra os turcos, lá fora, e a
repressão das heresias cá dentro".
O DISCURSO DE NICOLAS COP
A
1 de Novembro de 1533, o novo reitor da Universidade de Paris, o humanista
Nicolas Cop, proferiu um discurso de abertura do ano lectivo na Igreja dos
Franciscanos, em Paris, frente aos mais altos representantes das 4 faculdades:
Teologia, Direito, Medicina e Artes. O seu discurso fazia eco de temas
facilmente associados à nova teologia da reforma. Nesse discurso, Nicolas fez,
particularmente, o paralelismo entre a perseguição aos primeiros cristãos e a
que ocorria agora, século XVI, na França, e que visava os cristãos
protestantes. Argumentava: Não eram também chamados de heréticos os primeiros
seguidores do cristianismo? O resultado foi a perseguição do próprio Nicolas
Cop, que teve de se refugiar em Basiléia.
Simultaneamente,
João Calvino fugia também de Paris. O seu quarto no Collège de Fortet é
revistado, e seus papéis e correspondência são confiscados. Calvino encontra
refúgio em Angoulême, em casa do seu amigo Du Tillet. Não foi até hoje
esclarecido completamente o que se passou. Encontrou-se, contudo, em Genebra,
um fragmento do discurso de Nicolas Cop, escrito pela mão de Calvino. O
documento original completo encontra-se em Estrasburgo. Foi levantada a tese de
que Calvino poderia, pelo menos, ter participado na elaboração do discurso. Calvino
permanece em Angoulême até Abril de 1534, altura em que se dirige a Nérac, onde
se encontra com Lefèvre d'Étaples. Regressa depois a Noyon, onde em Maio de
1534 renuncia às suas "benefices". Volta, então, a Paris e a Orleães.
A PSYCHOPANNYCHIA
Em
1534, Calvino escreve o seu segundo livro, que será também o primeiro sobre
religião. Chamar-se-á "Psychopannychia", palavra que deriva do grego
e que significa: "O sono da alma". É um livro relativamente pouco
conhecido, em comparação com as outras obras de Calvino. Calvino faz uma
crítica severa aos anabatistas, que acusa de serem uma seita tresmalhada. O
livro coloca questões teológicas, mais do que oferecer respostas. Calvino, nos
seus 24 anos de idade, está em processo de busca. Defende nessa obra a
imortalidade da alma. O título completo era: "Psychopannychia - tratado
pelo qual se prova que as almas permanecem vigilantes e vivas uma vez que
tenham deixado os corpos, o que contraria o erro de alguns ignorantes que
sustentam que elas dormem até ao último momento" - o que é, também, um
ataque aos anabatistas. Apesar de escrito em 1534, o livro seria apenas
publicado em 1542.
O CASO DOS CARTAZES DE 1534
Em
18 de Outubro de 1534, a história do protestantismo francês vive um dos seus
momentos fulcrais, com o caso dos cartazes. Cartazes de 37 por 25 centímetros
que criticam a celebração da missa tal como ela é feita oficialmente pela
Igreja católica são afixados em vários locais. É particularmente atacada a
repetição sacrifical da morte de Cristo, simbólica, no altar. Se o sacrifício
já foi consumado, por que se apoderam os sacerdotes católicos deste ritual
simbólico? Os argumentos teológicos dos protestantes fundamentam-se na Epístola
de São Paulo aos Hebreus. A propaganda protestante pretende transmitir a idéia
de que a eucaristia segundo a concepção católica é uma blasfêmia, uma vez que a
morte de Cristo não se deixa repetir. Esta demanda foi o resultado da ação de
Antoine Marcourt, Pastor de Neuchâtel, também ele um natural da Picardia. A
situação tornou-se particularmente crítica e descambou numa relação brutal por
parte da Igreja católica e do estado francês.
Protestantes
franceses seriam encarcerados e assassinados. Em Janeiro de 1535, o rei
Francisco I organiza uma procissão macabra pelas ruas de Paris. A procissão
pára em 6 locais distintos. Em cada uma das paragens há um pódio onde o rei, os
embaixadores e dignos membros do "parlement" se instalam para assistir
à morte pela fogueira de 6 "heréticos" envolvidos no caso dos
cartazes do ano anterior.
BASILEIA
Em
Janeiro de 1535, Calvino dirige-se a Basiléia, cidade onde vive até Março de
1536. Uma cidade conhecida por ter sido o lar de Erasmo de Roterdão e do reformador
Johannes Oekolampad, falecido em 1531, sendo o seu seguidor Oswald Mykonius.
A TRADUÇÃO DA BÍBLIA DE OLIVÉTAN
Em
1535 é publicada a primeira bíblia traduzida por um protestante, em francês.
Tratava-se de uma tradução direta do Hebraico (o antigo testamento) e do Grego
(o novo testamento) - línguas originais das escrituras - e não das versões
então em uso, em latim. Algo totalmente natural no século do humanismo e de
Erasmo de Roterdão. O autor é Olivétan, aliás Pierre Robert (1506-1538), primo de
João Calvino e proveniente também de Noyon. Foi publicada em Neuchâtel por
Pierre de Vingle. Apesar de Pierre Robert ter demonstrado um bom conhecimento
de Hebraico e Grego, o seu estilo de escrita foi considerado de difícil
compreensão, além de uma certa falta de fluidez discursiva. O texto seria
revisto (com a colaboração de Calvino) e publicado novamente em 1546.
O ÉDITO DE COUCY
Em
16 de Julho de 1535, o rei Francisco I faz publicar o Édito de Coucy, uma
medida de contemporização para com os protestantes e que corresponde também a
uma nova guerra de Francisco I contra Carlos V (Guerra de 1535-1538).
Necessitando do apoio dos protestantes alemães para o esforço de guerra e não
convinha, necessariamente, perseguir os "Luteranos" em França. É prometido
que se deixarão os protestantes em paz desde que vivam como "bons
cristão" e renunciem à sua fé. Mas, em Dezembro de 1538, o Édito de Coucy
é suspenso e as perseguições aos protestantes retomam a intensidade anterior.
INSTITUTIO RELIGIONIS CHRISTIANAE
Em
Março de 1536 é publicada em Basiléia a primeira edição de "Institutio
religionis Christianae". No prefácio menciona a sua estadia em Basiléia,
"enquanto na França são queimados na fogueira crentes e pessoas
santas". Fala de santos mártires. Dirige-se no livro ao Rei Francisco I,
que procura convencer das boas intenções da Reforma. Ao mesmo tempo, a sua
teologia começa a adquirir contornos mais marcados e mais autônomos em relação
ao Luteranismo. Uma tendência que se fortalecerá no futuro. Critica a vida dos
mosteiros, que compara a bordéis. Calvino pretende não só a reforma da Igreja
mas de todos os indivíduos. A instituto é "a organização da sociedade
daqueles que acreditam em Jesus Cristo".
Em
Março de 1536, Calvino viaja até Ferrara na companhia de Louis Du Tillet.
Calvino esperava um acolhimento aberto às idéias protestantes na sua estadia em
Ferrara. Enganava-se. Teria de interromper a visita logo em Abril. Foi então
até Paris. Mas Calvino não tem futuro em França. Numa carta ao amigo Nicolas
Duchemin, compara a sua situação com a dos judeus no Egito. A França era o seu Egito.
Queixa-se na mesma carta dos rituais da missa, considerando-os idólatras.
Calvino sai definitivamente da França em 1536, procurando terras politicamente
independentes da França e de espíritos mais abertos para a reforma. Dirige-se,
então, para cidades dos territórios que hoje constituem a Suíça.
A REFORMA EM GENEBRA
Genebra
é nesta altura já uma cidade de espíritos progressivos e abertos para a reforma
protestante. Politicamente, a cidade está desde 1285 sob vassalagem aos condes
de Sabóia ou à casa episcopal (ao bispo de Genebra), quase sempre ocupada por
um bispo também da casa de Sabóia desde que o papa Félix V (Amadeu VIII de
Sabóia) se autonomeou bispo da cidade. Na prática, no entanto, Genebra é quase
uma cidade-estado, uma república que desde cedo se emancipou na conquista da
sua liberdade municipal. Em 1522 inicia-se um conflito entre os pejorativamente
chamados "mamelucos", que são conservadores e partidários da casa de
Sabóia e os "confederados" (alemão: Eidgenossen; francês: Eidguenot)
de onde possivelmente se formará a palavra Huguenotes (francês: huguenot).
Estes últimos opõem-se a Sabóia. Em 1524, Karl III, Duque de Sabóia, tinha
ocupado militarmente Genebra. Porém, em 1526, Genebra decide-se pela união com
Berna e Friburgo, iniciando-se no caminho helvético. A reforma protestante não
terá tido um papel determinante neste processo, segundo Bernard Cottret.[1] Mas
a partir daqui começam a reunir-se em Genebra elementos da Reforma. Em 1533 há
o primeiro culto protestante de que há conhecimento nesta cidade. São então
cunhadas moedas com a inscrição: "Post tenebras lux" (após a
escuridão, a luz).
O
ano de 1536 marca uma viragem na cidade de Genebra. Neste ano, a reforma é adotada
oficialmente pela cidade. Os clérigos da igreja católica são intimados a deixar
de celebrar a missa como o faziam, com o cerimonial papista e seus abusos
(idolatria, aos olhos dos protestantes) e a juntarem-se aos protestantes. Num
novo fôlego de zelo religioso, as raparigas são obrigadas a usar o véu,
cobrindo os seus cabelos. Já desde 1532 que se registravam ataques e
destruições de imagens religiosas, estátuas, figuras, etc. A adoração destas
figuras era vista pelos protestantes como idolatria. Há um episódio carismático
deste fenómeno: num destes ataques à "idolatria papista", uma
multidão apodera-se de cerca de 50 hóstias de um padre, dando-as a comer a cão.
"Se as hóstias pertencem mesmo ao corpo de Deus, não se irão deixar comer
por um cão!" - é argumentado. Em Junho de 1536, são abolidos em Genebra,
por decisão de um conselho, todos os feriados, êxito os domingos. Todas estas
transformações deram-se sem a influência de Calvino. Aliás, ainda nem sequer aí
tinha chegado.
CHEGADA DE CALVINO A GENEBRA
1536
é também o ano da chegada de Calvino a Genebra. Calvino tem nessa altura 26
anos. Após a estadia em Ferrara, na Primavera de 1536, Calvino tinha estado em
Paris, aproveitando-se de um período de relativa calma na perseguição aos
protestantes. Tratou de assuntos pessoais e da família. Em junho faz em Paris
uma procuração em nome do seu irmão. Em Julho de 1536, João Calvino,
pretendendo dirigir-se a Estrasburgo, inicia a viagem, juntamente com o irmão
Antoine e a irmã Marie. Em vez de tomar o caminho mais curto, Calvino faz um
desvio pelo sul, evitando a área onde a guerra entre as forças de Francisco I e
Carlos V são uma ameaça. Por coincidência, Calvino chega a Genebra, onde
permaneceu, apesar de ter inicialmente pretendido continuar viagem, o que foi vivamente
desaconselhado pelo reformador Guillaume Farel (na altura de 47 anos de idade).
O caminho para Estrasburgo encontrava-se inseguro por causa da guerra. A
Genebra que Calvino encontra vive ainda a agitação dos conflitos entre
Mamelucos e Confederados.
João
Calvino já tinha viajado até Estrasburgo durante as guerras otomanas, e passado
através dos cantões da Suíça. A quando da sua estadia em Genebra, Guillaume
Farel pediu ajuda a Calvino na sua causa pela igreja. Calvino escreveu sobre
este pedido: "senti como se Deus no céu tivesse colocado a sua poderosa
mão sobre mim para barrar-me o caminho"". 18 meses depois, as
mudanças de Calvino e Farel levariam à expulsão de ambos.
A DISPUTA TEOLÓGICA DE LAUSANNE
Entre
1 e 8 de Outubro de 1536, tem lugar na Catedral de Notre-Dame em Lausanne uma
disputa teológica entre protestantes e católicos, na qual Calvino e Farel vão
participar. Este tipo de conferências de disputa tem por modelo os debates que
Ulrico Zuínglio tinha organizado em Zurique (1523) e Berna (1528). Do lado
católico encontra-se Pierre Caroli, que iria acusar, em Berna, Calvino e Farel
de heresia. Calvino é também acusado por Caroli de arianismo.
A SAÍDA ATRIBULADA DE GENEBRA
A
16 de Janeiro de 1537, as autoridades da cidade de Genebra aprovam o documento
escrito pelo líder protestante Farell, que se destina a servir de confissão de
fé e orientação para todos os habitantes de Genebra. Calvino faz também algumas
sugestões, parte das quais são rejeitadas. Cerca de vinte artigos dispõem,
entre outras coisas, que os idolatras, querulantes, assassinos, ladrões,
bêbados (entre outros) sejam futuramente excomungados. As lojas devem fechar ao
domingo, assim que soem os sinos da missa. Estas disposições, apesar de aceites
pelas autoridades vão criar atritos com Farell e Calvino. O estigma da
excomunhão é extremamente discriminador e destruidor de relações sociais no
século XVI.
Em
Março, os líderes anabatistas de origem holandesa Hermann de Gerbihan e Benoît
d'Anglen são expulsos de Genebra, juntamente com os seus seguidores. Em Abril
de 1537, por sugestão de Calvino, é constituído um "syndic" (síndico)
que tem por objetivo ir de casa em casa e inquirir sobre a confissão dos
moradores. A ação é contestada. Alguns moradores recusam-se a pronunciar-se
sobre a sua fé.
Em
junho de 1537 as autoridades de Genebra decidem que o Domingo é o único dia
feriado. Futuramente nenhum outro feriado será considerado. 30 de Outubro é
definido como o prazo para todos os moradores de Genebra se pronunciarem quanto
à sua religião. Aqueles que não reconhecem os decretos de Farell são obrigados
a deixar a cidade em 12 de Novembro. Após esta data, a situação complica-se
para Farell e Calvino. Particularmente provocante é o fato de um estrangeiro
(francês), como Calvino, decidir sobre a excomunhão e expulsão de habitantes
naturais de Genebra. As autoridades, perante estes protestos, passam a ser mais
críticas para com os líderes protestantes.
A
3 de Fevereiro de 1538 são eleitos para as autoridades da cidade de Genebra 4
pessoas que são inimigos de Calvino e dos protestantes. Em Março, estas novas
autoridades proíbem Calvino e Farell de se pronunciarem sobre assuntos não
religiosos. Calvino e Farell negam-se a celebrar a comunhão de acordo com a
tradição de Berna. São proibidos de celebrar os serviços religiosos. No
entanto, no Domingo seguinte, 21 de Abril de 1538, Farell e Calvino celebram o
culto de Ceia como habitualmente, Farell na Igreja de Saint-Gervais e Calvino
na de Saint-Pierre. As autoridades dar-lhes-ão três dias para saírem da cidade.
ESTRASBURGO
Em
1538, Farell irá refugiar-se em Neuchâtel. Calvino dirige-se a Estrasburgo,
após ter inicialmente pretendido ir para Basiléia. Estrasburgo era na altura
parte da zona de língua alemã, mas a proximidade da fronteira com a França
significava que ali se tinha desenvolvido uma comunidade de exilados franceses.
Tal como em Genebra Farell reconhecera o potencial de Calvino, em Estrasburgo
Martin Bucer será o protector de Calvino. Durante três anos Calvino dirigiu em
Estrasburgo uma igreja de protestantes franceses, a convite de Bucer. Segundo o
biógrafo Courvoisier, Estrasburgo é a cidade onde Calvino se torna
verdadeiramente Calvino. O seu sistema de pensamento é aqui consubstanciado em
algo de mais marcadamente original. A sua obra Institutio é aqui re-editada
(1539). É agora três vezes maior do que a primeira edição.
Em
Outubro de 1539, Pierre Caroli chega a Estrasburgo, onde permanece pouco tempo.
Caroli e Calvino, inimigos desde há anos, têm uma disputa. Caroli está agora
algures entre o catolicismo e o protestantismo. Ele acusa Calvino de o ter
confundido na sua fé. Calvino sofre uma crise nervosa.
Neste
Outono de 1539, Calvino escreve também um comentário à carta de Paulo aos
Romanos. Este tema é particularmente querido do protestantismo, porque ali se
encontra a justificação através da fé como a base de sustentação do movimento
protestante, pois somente a fé salva e justifica. A igreja é por este prisma
mais uma comunidade de crentes do que um enquadramento jurídico. Os sacramentos
só recebem o seu sentido através da fé. Sem fé não têm qualquer efeito. Já
Lutero tinha destacado a carta de Paulo aos romanos como o cerne do Novo
Testamento e o mais alto do evangelho.
MATRIMÔNIO
Em
Estrasburgo, Calvino casa-se em Agosto de 1540 com a viúva Idelette de Bure,
que tinha sido previamente adepta do anabatismo. Traz duas crianças do seu
prévio casamento. Calvino tem 31 anos de idade. A cerimônia do casamento foi
dirigida por Guillaume Farel. Em 1541 a peste negra (ou peste bubónica)
recrudesce em Estrasburgo. Idelette e as duas crianças procuram abrigo em casa
de um irmão dela, nas redondezas.
REGRESSO A GENEBRA
Após
a expulsão de Calvino, Genebra tinha adotado os ritos de Berna. O natal,
ascensão de Cristo e outras festividades cristãs voltaram a ser praticadas. Mas
os católicos e os anabatistas continuavam a ser perseguidos e
"convidados" a deixar a cidade. A 18 de Março de 1539 o jogo tinha
sido proibido em Genebra. Pedintes e vagabundos eram expulsos da cidade. A
ausência de Calvino não tinha significado qualquer laxismo na moral estrita
imposta na cidade.
As
relações de Genebra com Berna permanecem tensas. Entretanto, os líderes que se
opunham a Calvino (os chamados "artichoques") começam a perder
influência. São acusados de simpatia por Berna. Jean Philip (João Filipe), um
de seus líderes, é torturado e decapitado em 1540. Os oponentes, favoráveis a
Calvino, chamados de "guillermins" ganham o poder.
Calvino
foi convidado em Outubro de 1540 a regressar a Genebra, para reaver o seu posto
na igreja, tal como o tivera antes da expulsão. A 13 de Setembro de 1541
Calvino chegou, pela segunda vez, a Genebra, mas, desta vez, definitivamente.
Começou, então, a organizar e estruturar, de acordo com as linhas bíblicas, os
ministérios e a ação dos professores e diáconos.
ZELO RELIGIOSO RADICAL
São
ainda de 1541 as propostas de Calvino, no sentido da reorganização da igreja.
As "Ordonnances de 1541" dispõem a formação de quatro corpos:
Ø
Pasteurs
(pastores, que pregam)
Ø
Docteurs
(ensinam)
Ø
Anciens
(os mais velhos, que chamam à ordem aqueles que prevaricam)
Ø
Diacres
(diáconos, que ocupam-se dos pobres e doentes) - mendigar é estritamente
proibido
É
decidida também a criação de um consistório - composto de elementos da igreja e
de laicos - que se reúne regularmente para julgar os comportamentos
individuais, como um tribunal, "de acordo com a palavra de Deus",
sendo a excomunhão de pessoas a mais grave sentença que pode decidir.
A
eucaristia só é praticada quatro vezes por ano.
Em
1542, Calvino publica em Genebra o seu livro de catecismo: "Catéchisme de
l'Église de Genève, c'est-a-dire, le formulaire d'instruire les enfants en la
chrétienté". A chave do projeto de Calvino passa pela pedagogia. O seu objetivo
é a profunda transformação das mentalidades. Cada resquício de superstição, de
práticas de magia, ou de catolicismo é perseguido como idolatria.
O
consistório, do qual Calvino fazia parte, ocupava-se desses e de outros casos.
Refiram-se alguns:
Em
1542, uma mulher chamada Jeanne Petreman é acusada de se recusar a participar
da eucaristia, de dizer o pai-nosso em língua "romana" e de proclamar
que a Virgem Maria era a sua defensora. Diz também que se nega a acreditar
noutra fé que não a sua. É excomungada.
Em
2 de Setembro de 1546, aparece em Genebra um franciscano que pedia na rua um
jantar em nome de Deus e da Virgem Maria. Devemos pressupor que ele obteve o
seu jantar mas foi também levado ao consistório, que logo constatou que o
"papista" mal conhecia a bíblia, além de ser inofensivo. Foi expulso
da cidade, para o lado da fronteira, com os católicos.
A
23 de Junho de 1547 comparecem perante o consistório várias mulheres que tinham
sido apanhadas a dançar - uma delas era a esposa de um dos membros do
consistório. O caso ganhou contornos de escândalo. As mulheres foram condenadas
a alguns dias de prisão, apesar de vários apelos. Em reação à decisão, são
colocados na cidade cartazes contra Calvino. O autor dos cartazes, Jacques
Gruet, é torturado. Depois de confessar a sua autoria, é executado.
Em
1548, Louis Le Barbier é interrogado sobre a sua fé. Declara que não tem fé.
Entretanto, descobrem livros de bruxaria e de escórnio na sua posse. É
admoestado perante o consistório mas não será perseguido.
Os
nomes de baptismo são regulamentados. Devem ser nomes que figuram na Bíblia. Um
decreto de 22 de Novembro de 1546 dispõe que certos nomes são proibidos, entre
os quais:
Ø
Suaire,
Claude, Mama (lembram a idolatria)
Ø
Baptistes,
Juge, Evangéliste
Ø
Dieu
le Fils, Espoir, Emmanuel, Sauveur, Jésus (destinados apenas a nosso senhor)
Ø
Sépulcre,
Croix, Noël, Pâques, Chrétien (nomes estúpidos ou absurdos)
O
luxo e a pompa são desprezados. Em setembro de 1558, Nicolas des Gallars, um
amigo de Calvino, inicia uma grande campanha na cidade em desprezo do
supérfluo, as modas entre as mulheres e as más leituras. São queimados vários
exemplares do livro "Amadis de Gaula", na posse de um comerciante. O
zelo religioso tomava a forma de censura moral.
PESTE NEGRA EM GENEBRA
Em
1542, há um surto de peste negra em Genebra. A peste negra permanecia então um
fenómeno incompreensível - para lidar com a epidemia, era normal que se
multiplicassem os casos de feitiçaria e de rituais contra a peste. Este tipo de
práticas já era conhecido em Genebra antes da reforma e, tal como antes, os
protestantes replicam com a perseguição, tortura e morte dos suspeitos. Aquelas
que são identificadas como bruxas são queimadas vivas, enquanto se propaga a idéia
de que estas desgraças são um castigo de Deus. Em 1542, o filho de Calvino,
Jacques, morre pouco depois de nascer em 28 de Julho.
CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
A
partir de 1542 e sobretudo na década de 1550, a cidade de Genebra vai conhecer
um grande crescimento demográfico, com a chegada de refugiados franceses,
protestantes perseguidos em França. Conseqüentemente, há uma fase de expansão econômica
(relojoaria, tecelagem...) e a língua francesa começa a ter preponderância
sobre o dialeto franco-provençal da região.
Mas
é também uma época marcada pelo crescimento de sentimentos xenófobos, em parte
devidos a ressentimentos contra Calvino:
Ø
Em
Janeiro de 1546 é preso Pierre Ameaux, que tinha injuriado publicamente
Calvino, ao referir-se a este como um "picard", pregador de uma falsa
fé.
Ø
Um
outro senhor Ameaux é preso mais tarde por razões semelhantes. Este senhor
tinha boas razões para não gostar do extremo zelo religioso imposto por
Calvino, já que era fabricante de cartas de jogo. Foi condenado a percorrer a
cidade de uma ponta à outra, descalço, em camisa, com uma vela na mão.
Ø
A
23 de Setembro de 1547, François Favre comparece em tribunal por ter afirmado
que Calvino se auto-nomeara bispo de Genebra e que os franceses tinham
escravizado a sua cidade natal.
Ø
Mais
tarde, em 1548, um senhor chamado Nicole Bromet declara que os franceses
deveriam ser todos colocados num barco e enviados pelo rio Reno abaixo.
Em
1547, Henrique II de França sucede a Francisco I. Henrique será um rei menos
reconhecido, em comparação com Francisco. É caracterizado como menos
carismático, menos entusiasta pelas artes e ciências, mais introvertido e frio.
Em 29 de Março de 1549 morre Idellete Calvino, após doença. Calvino não voltará
a casar. Dedica-se ainda mais decididamente ao trabalho. Em 1550 a repressão
dos huguenotes em França cresce. É estabelecida a chambre ardente. A censura é
fortalecida.
O CASO MIGUEL SERVET
Miguel
Servet era um homem de cultura, um médico, interessado, entre muitas outras
coisas, na religião. Como livre pensador, defendia que o dogma da Trindade não
fazia qualquer sentido, sendo apenas um sofisma inventado no Primeiro Concílio
de Niceia. Será perseguido pela Igreja Católica em França, através da
Inquisição, por causa das suas teses. Escapa e dirige-se a Genebra, mas os protestantes
mostraram-se não menos intolerantes para com as suas idéias.
A
história da ligação entre Servet e Calvino começa já em 1534, ano em que ambos
estiveram em Paris. Esteve nessa altura planejado um encontro que não chegou a
realizar-se. No entanto, trocariam correspondência por vários anos.
O
debate foi tornando-se numa azeda discussão. Um dos pontos principais da
discussão epistolar continuava a ser a Santíssima Trindade. Perante a sua
proposta para que Calvino lesse o manuscrito do seu Livro "Restitutio"
(tendo-o enviado pelo correio), Calvino diz-lhe que deveria ler o seu
"Institutio". Servet fê-lo e escreveu comentários críticos nas
margens do texto que foram depois enviados a Calvino.
Calvino
recebeu o manuscrito mas não lhe respondeu. Nem sequer devolveu o manuscrito do
Restitutio, que Servet lhe pedia que remetesse. Calvino manteve o seu silêncio,
cultivando preocupação em relação a Servet e às suas heresias. Teria, mais
tarde, a sua oportunidade de se vingar.
No
princípio de Abril de 1553 a Inquisição francesa recebeu misteriosamente a
posse de documentos que comprometiam Servet. Entre eles, as cartas de Servet a
Calvino. Ainda em 5 de Abril, Servet é ouvido pelos inquisidores. A 7 de Abril,
porém, consegue escapar-se da prisão. Dirigiu-se a Genebra, talvez por pensar
que entre os protestantes estaria a salvo da Inquisição. Enganou-se. Foi preso
pelas autoridades da cidade de Genebra a 13 de Agosto.
O
seu julgamento tornou-se um caso discutido. Foi pedida a opinião a padres de
Berna, Zurique e outras cidades. A maioria desprezava Servet - a trindade era,
na sua opinião, indiscutível.
Calvino,
também acusado pelos católicos de arianismo, poderá ter visto aqui a
oportunidade de mostrar que defendia o conceito trinitário, ao mesmo tempo que
mostraria que também estava empenhado em perseguir os heréticos. Um herético do
lado de lá da fronteira também é um herético dentro da cidade.
A
27 de Outubro de 1553 Miguel Servet é queimado vivo em Genebra.
RELACIONAMENTO COM A REFORMA
INGLESA
Por
volta de 1550, Calvino escreve ao rei Eduardo VI de Inglaterra, um protestante,
encorajando-o nas suas reformas. O rei Eduardo VI fez acolher protestantes
franceses, perseguidos no país natal. Após o reinado de Eduardo VI (1547-1553)
o catolicismo regressa à Inglaterra sob a liderança de Maria Tudor.
NOVAS DIFICULDADES
Entre
1553 e 1555, em Genebra, a relação tensa entre a igreja - particularmente o
consistório, onde Calvino é uma figura de relevo - e as autoridades seculares
da cidade, eleitas entre os habitantes (ricos) da cidade, atinge o seu auge.
Discutia-se, então, a questão de saber se o consistório teria ou não o direito
de excomungar pessoas, algo que se vinha a passar com relativa freqüência. As
amargas trocas de palavras entre estes dois pólos multiplicaram-se. Por um
lado, o zelo religioso dos Calvinistas, do outro, a autoridade política da
cidade. Em Janeiro de 1555 há uma procissão noturna de pessoas em Genebra,
caminhando de vela na mão, com a pretensão de ridicularizar Calvino.
Apesar
disso, e em parte por causa do peso relativo da população protestante francesa
que se tinha refugiado na cidade, as eleições dos 4 novos "Syndics"
de Genebra em Fevereiro de 1555 é favorável aos Calvinistas, que se impõem
contra os "Enfants de Genève" sob a liderança de Perrin. Após as
eleições, porém, há desacatos na rua entre as duas partes. Perrin e outros
líderes da revolta são presos e serão decapitados e esquartejados. Os pedaços
dos cadáveres foram, depois, exibidos nas ruas da cidade.
Também
a doutrina da Predestinação foi muito atacada nestes anos, principalmente por
um monge carmelita chamado Hiérome Bolsec, nascido em Paris, que se tinha
estabelecido em Genebra. Argumentava que se Deus fosse o responsável por tudo o
que se passa, então, também seria responsável pelos nossos pecados. Calvino
responde que nunca disse isso e as autoridades apoiam-no. Em Berna, os críticos
de Calvino são expulsos da cidade em 1555.
Em
1555 são erguidas as primeiras igrejas calvinistas em França, nomeadamente em
Paris, Meaux, Angers, Poitiers e Loudun. Nos três anos seguintes surgem as
comunidades de Orleães, Rouen, La Rochelle, Toulouse, Rennes e Lyon.
A
8 de Junho de 1558, Calvino escreve a Antoine de Bourbon, o Rei de Navarra e
consorte de Jeanne d'Albret, exortando-o a seguir na sua vida privada os mesmos
valores ascéticos que os seus súbditos.
Entre
26 e 29 de Maio de 1559 realiza-se em Paris um sínodo nacional protestante.
Cerca de 30 paróquias aparecem aí representadas. O sínodo será responsável pela
elaboração de um texto de linhas orientadoras (com a participação de Calvino na
sua criação), que se chamará Confession de La Rochelle (texto confirmado nesta
cidade em 1571).
Em
1559 Calvino fundou uma escola e um hospital.
Em
Abril de 1559 é assinado o pacto de paz entre a França e a Espanha, em
Cateau-Cambrésis.
FALECIMENTO
Nos
seus últimos anos de vida, a saúde de Calvino começou a vacilar. Sofrendo de
enxaquecas, hemorragia pulmonar, gota e pedras nos rins foi, por vezes, levado
carregado para o púlpito. Calvino continuava a ter detratores declarados que
lhe dirigiam ameaças constantes.
Entretanto,
apreciava passar os seus tempos livres no lago de Genebra, lendo as escrituras
e bebendo vinho tinto. No final de sua vida disse a seus amigos que estavam
preocupados com o seu regime diário de trabalho: "Qual quê? Querem que o
Senhor me encontre ocioso quando ele chegar?"
João
Calvino faleceu em Genebra a 27 de Maio de 1564. Foi enterrado numa sepultura
simples e não marcada, conforme o seu próprio pedido.
PUBLICAÇÕES DE CALVINO
Ø
De
Clementia - Obra anotada de Séneca (1532)
Ø
Psychopannychia
(1534)
Ø
Institutos
da Religião Cristã
ü
publicado
em Latim: 1536
ü
publicado
em Francês: 1541
Ø
Catéchisme
de l'Église de Genève (1542)
Ø
Calvino
também publicou vários volumes de comentários sobre a Bíblia
CALVINISMO
As
suas publicações espalharam as suas idéias de uma igreja corretamente
reformada, para muitas partes da Europa. O calvinismo tornou-se a religião
principal na Escócia (Ver: John Knox), nos Países Baixos e em partes da
Alemanha, tendo sido influente na Hungria e na Polónia. A maioria dos colonos
de certas zonas do novo mundo, como Nova Inglaterra, eram igualmente
calvinistas, incluindo os puritanos e os colonos neerlandeses que se
estabeleceram em Nova Amsterdam (Nova Iorque). A África do Sul foi fundada em
grande parte por colonos neerlandeses (também com franceses e portugueses)
calvinistas do início de século XVII, que ficaram conhecidos como africânderes.
Em
França, os calvinistas eram chamados de Huguenotes.
A
Serra Leoa foi em grande parte colonizada por colonos calvinistas da Nova
Escócia. John Marrant tinha organizado a congregação local sob o auspício da
conexão Huntingdon. Os colonos eram na sua maioria loialistas negros,
afro-americanos que tinham combatido pelos ingleses na guerra da independência
americana.
CURIOSIDADES
Em
2009, serão comemorados os 500 anos de nascimento de Calvino. A Federação Suiça
de Igrejas Protestantes juntamente com a Aliança Mundial de Igrejas Reformadas
lançam um concurso mundial de sermões e composições de hinos religiosos como
parte dessas comemorações.
DENOMINAÇÕES CALVINISTAS
O Calvinismo
é a doutrina de diversas denominações Protestantes, dentre elas destacamos:
ü
Igreja
Reformada Suíça - religião oficial da maioria dos cantões da Suíça.
ü
Igreja
Protestante Evangélica Holandesa - recentemente unificada, não é mais a
religião oficial dos Países Baixos
ü
Igreja
Reformada Francesa - a igreja dos Huguenotes
ü
Igreja
Congregacional - concentrada na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, hoje parte
da Igreja Unida de Cristo.
ü
Igreja
Reformada Hungara
ü
Igreja
da Escócia
ü
Igreja
Presbiteriana do Brasil
ü
Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil
ü
União
das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil
Igreja Presbiteriana
Conservadora do Brasil
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