INTRODUÇÃO.
1 - Trata-se mais de um movimento que procura unir a teologia e as
preocupações sociopolíticas do que de uma nova escola de teoria política.
v É
mais exato falar das teologias da libertação, no plural, porque essas teologias
de libertação acham expressão contemporânea entre negros, feministas,
asiáticos, latino-americanos e índios das Américas.
v Temas
teológicos têm sido desenvolvidos no contexto latino-americano, servindo como
modelos para outras teologias de libertação.
2 - Há, no mínimo, quatro fatores principais que desempenharam um
papel relevante na formulação da teologia da libertação latino-americana.
v É
um movimento teológico pásiluminista. Os proponentes principais — tais como
Gustavo Gutiérrez, Juan Segundo, José Miranda — reagem favoravelmente às perspectivas
epistemolágicas e sociais de Kant, Hegel e Marx.
v A
teologia da libertação tem sido grandemente influenciada pela teologia política
europeia e pela teologia radical norte-americana, e tem achado em J. B. Metz e
Jürgen Moltmann e Harvéy Cox perspectivas que criticaram a natureza
não-histórica e individualista da teologia existencial
v É
na sua maior parte, um movimento teológico católico romano. Com exceções
notáveis tais como José Miguez-Bonino (metodista) e Rubem Alves (presbiterlano).
v É
um movimento teológico situado de modo específico e singular no contexto
latino-americano.
I - O MÉTODO TEOLÓGICO.
A - Gustavo Gutiérrez define a teologia como “a reflexão crítica
sobre a práxis histórica”. A feitura de uma teologia exige que o teólogo esteja
engajado na sua própria história intelectual e sócio-política.
1 – A teologia não é um sistema de verdades eternas que ocupa o
teólogo no processo repetitivo da sistematização e da argumentação apologética.
2 - A teologia é um exercício dinâmico contínuo que envolve
percepções contemporâneas do conhecimento, do homem e da história.
B - A teologia da libertação aceita o duplo “desafio do iluminismo”
(Juan Sobrino).
1 - O desafio vem através da perspectiva filosófica começada por Immanuel
Kant, que argumentava a favor da autonomia da razão humana.
a - A teologia já não é elaborada para corresponder à auto revelação
de Deus mediante a autoria divino-humana da Bíblia.
b - Essa revelação “externa” é substituída pela revelação de Deus
achada na matriz da interação humana com a história.
2 - O desafio vem através da perspectiva política fundada por KarI
Marx, que argumenta que a integridade do homem pode ser realizada somente
quando se vence as estruturas políticas e econômicas alienantes da sociedade.
a - O papel do marxismo na teologia da libertação deve ser
entendido com honestidade.
b - Alguns críticos sugerem que não se pode distinguir entre a
teologia da libertação e o marxismo, mas tal conceito não é totalmente exato.
C - Os teólogos da libertação concordam com a famosa declaração de
Marx: “Até agora, os filósofos têm explicado o mundo; a nossa tarefa é
transformá-lo”.
1 - Argumentam que os teólogos não devem ser teóricos, mas
praticantes que se engajam na luta para realizar a transformação da sociedade.
a - Para fazer isso, a teologia da libertação emprega uma análise
de classes de estilo marxista, que divide a cultura entre os opressores e os
oprimidos.
b - Essa análise sociológica do conflito procura identificar as injustiças
e a exploração dentro da situação histórica.
2 - O marxismo e a teologia da libertação voltam-se para a fé cristã
como um meio de efetivar a libertação.
a - Marx não conseguiu perceber a força emotiva, simbólica e
sociolágica que a igreja poderia ser na luta pela justiça.
b - Os teólogos da libertação declaram que não estão deixando para
trás a antiga tradição cristã quando empregam o pensamento marxista como uma
ferramenta para a análise social.
II
- A INTERPRETAÇÃO TEOLÓGICA.
A - Os teólogos da
libertação acreditam que a doutrina ortodoxa tende a manipular Deus para
favorecer a estrutura social capitalista.
1 - Alegam que a ortodoxia depende de noções gregas antigas que viam
Deus como um ser estático que está distante e remoto da história humana.
a - Essas noções distorcidas da transcendência e da majestade de
Deus resultaram numa teologia que pensa num Deus “lá em cima” ou “lá fora”.
b - Como consequência, a maioria dos latino-americanos tornou-se
passiva diante da injustiça e supersticiosa na sua religiosidade.
2 - A teologia da libertação responde ressaltando o mistério incompreensível
da realidade de Deus.
a - Deus não pode ser resumido a uma linguagem objetificante nem
conhecido através de uma lista de doutrinas.
b - Deus é achado no curso da história humana.
c - Deus não é uma entidade perfeita e imutável, “acomodado longe
do mundo”.
d - Ele Se apresenta diante de nós na fronteira do futuro histórico
(Assmann).
e - Deus é a força motriz da história, que leva o cristão a
experimentar a transcendência como uma “revolução cultural permanente”
(Gutiérrez).
f - O Deus do futuro é o Deus crucificado que submerge num mundo de
desgraça.
g - Deus é achado nas cruzes dos oprimidos mais do que na beleza, no
poder ou na sabedoria.
B - A noção bíblica da salvação é equiparada ao processo da
libertação da opressão e da injustiça.
1 - O pecado é definido em termos da desumanidade do homem para com
seu próximo.
a - A teologia da libertação, para todos os propósitos práticos,
equipara amar ao próximo com amar a Deus.
b - As duas atitudes não são apenas praticamente inseparáveis como
também virtualmente indistinguíveis entre si.
2 - Deus é achado em nosso próximo e a salvação é identificada com a
história do “tornar-se homem”.
a - A história da salvação passa a ser a salvação da história, que abrange
todo o processo de humanização.
b - A história bíblica é importante à medida que oferece modelos e
ilustrações para essa busca da justiça e da dignidade humana.
c - A libertação de Israel no Êxodo e a vida e a morte de Jesus
destacam-se como protótipos da luta humana contemporânea pela libertação. Esses
eventos bíblicos representam a relevância espiritual da luta secular pela
libertação.
C - A igreja e o mundo já não podem ser segregados.
1 - A igreja deve deixar que seja habitada e evangelizada pelo
mundo.
a - “Uma teologia da Igreja no mundo deve ser complementada por uma
teologia do mundo na Igreja” (Gutiérrez).
2 - Tomar o partido dos oprimidos, em solidariedade com eles, contra
os opressores é um ato de “conversão”, e “evangelização” é proclamar a participação
de Deus na luta humana pela justiça.
D - A importância de Jesus para a teologia da libertação acha-se na
Sua luta exemplar pelos pobres e proscritos.
1 - Seus ensinos e Suas ações em favor do reino de Deus demonstram o
amor de Deus numa situação histórica que tem notável semelhança com o contexto
latino-americano.
2 - O significado da encarnação é reinterpretado. Jesus não é Deus
num sentido ontológico nem metafísico.
3 - O essencialismo é substituído pela noção da relevância
relacional de Jesus. Jesus nos mostra o caminho de Deus;
a - Ele nos revela o meio de nos tornarmos filhos de Deus.
b - O significado da encarnação de Jesus acha-se na Sua total
imersão numa situação histórica de conflito e opressão.
c - Sua vida absolutiza os valores do reino — o amor incondicional,
o perdão universal e a referência contínua ao mistério do Pai.
d - Em certo nível, Jesus pertence irreversivelmente ao passado, mas
em outro nível, Jesus é o ápice do processo evolucionista.
4 - Em Jesus, a história chega ao seu alvo. Seguir a Jesus, no
entanto, não é questão de seguir Seus passos na tentativa a aderir à Sua
conduta moral e ética, mas é recriar o Seu caminho, mantendo-se aberto à Sua
“memória perigosa” que lança dúvidas sobre o nosso caminho.
5 - A singularidade da cruz de Jesus não se acha no fato de que
Deus, num momento específico do espaço e do tempo, experimentou o sofrimento
que é intrínseco à pecaminosidade do homem a fim de fornecer um caminho de
redenção.
a - A morte de Cristo não é uma oferta vicária pela humanidade que
merece a ira de Deus.
b - A morte de Jesus é sem igual porque Ele torna histórico de modo
exemplar o sofrimento de Deus em todas as cruzes dos oprimidos.
c - A teologia da libertação sustenta que através da vida de Jesus
as pessoas são trazidas à convicção libertadora de que Deus não permanece fora
da história, indiferente ao curso presente de maus eventos, mas que Ele Se
revela através do veículo autêntico dos pobres e dos oprimidos.
III
- A ANÁLISE CRÍTICA TEOLÓGICA.
A - A força da
teologia da libertação acha-se na sua compaixão pelos pobres e na sua convicção
de que o cristão não deve permanecer passivo e indiferente diante dos seus
apuros.
1 - A desumanidade do homem para com o sou próximo é pecado e merece
o castigo divino e a oposição dos cristãos.
2 - A teologia da libertação é um apelo a um discipulado sacrificial
e uma lembrança de que seguir Jesus envolve consequências práticas sociais e políticas.
B - A fraqueza da teologia da libertação tem sua origem na aplicação
de princípios hermenêuticos enganosos e no afastamento da fé cristã histórica.
1 - A teologia da libertação tem razão em condenar uma tradição que
procura fazer uso de Deus para atingir as suas próprias finalidades, mas
engana-se ao negar a auto-revelação definitiva de Deus na revelação bíblica.
2 - Argumentar que nosso conceito de Deus é determinado pela
situação histórica é concordar com a secularização radical que absolutiza o
processo temporal e dificulta a distinção entre a teologia e a ideologia.
C- O
marxismo pode ser uma ferramenta útil para identificar a luta de classes que
está sendo travada entre muitos países do Terceiro Mundo, mas surge a pergunta:
1 - A teologia da libertação tem razão em desmascarar o fato da
opressão na sociedade e o fato de haver opressores e oprimidos, mas é errado
dar a esse alinhamento uma condição quase ontológica.
2 - Talvez isso possa ser feito com o marxismo, mas o cristão
entende que o pecado e a nossa alienação de Deus é um dilema que confronta
tanto o opressor como os oprimidos.
3 - A ênfase que a teologia da libertação atribui aos pobres dá a
impressão de que os pobres não somente são o objeto da solicitude de Deus, como
também o sujeito da salvação e da revelação.
4 - Tudo o mais é projetado como uma tentativa vã de compreender
Deus por algum meio que sirva aos próprios interesses. Essa é uma noção confusa
e enganadora.
5 - A teologia bíblica revela que Deus é a favor dos pobres, mas não
ensina que os pobres são a própria corporiflcação de Deus no mundo de hoje.
6 - A teologia da libertação ameaça politizar o evangelho de tal
maneira que aos pobres é oferecida uma solução que poderia ser provida com ou
sem Jesus Cristo.
D - A teologia da libertação desperta os cristãos para levarem a
sério o impacto político e social da vida e da morte de Jesus, mas deixa de
fundamentar a singularidade de Jesus na realidade da Sua divindade.
1 - Alega que Ele é diferente de nós quanto ao grau, mas não quanto
ao tipo, e que a Sua cruz é o clímax da Sua identificação vicária com a
humanidade sofredora ao invés de ser uma morte vicária oferecida para desviar a
ira de Deus e para triunfar sobre o pecado, a morte e o diabo.
2 - Uma teologia da cruz que isola a morte de Jesus do seu lugar específico
no desígnio de Deus, e que repudia o desvendamento do seu significado revelado
não tem poder algum para nos levar a Deus, e para garantir, assim, que nossa
entrega teológica seja perpétua.
Anderson Roque Gouveia
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