Acompanhando o vocabulário
raivoso, alto e profano de um homem, duas galinhas voaram sobre a cerca que
dividia nosso quintal e a horta do vizinho. As galinhas voaram, não por conta
própria, mas porque seus pescoços haviam sido torcidos.
Nós, crianças, estávamos
brincando de esconde-esconde. Agora, ficamos paralisados no lugar, olhos
arregalados de horror, ouvindo em absoluto silêncio os palavrões de nosso
vizinho, o senhor Blank, que vistoriava o estrago que as valiosas galinhas poedeiras
de minha mãe haviam causado a uma fileira de suas tenras alfaces.
Recobrando de nosso silêncio atordoante,
disparamos rumo à cozinha para informar à mamãe esse acontecimento ofensivo.
Quatro animadas e raivosas
crianças, falando de uma vez, descreveram a situação de modo bastante dramático
e adequado, e ficaram esperando para ver o que a mãe iria fazer. Será que ela
sairia correndo lá pra fora e berraria, sobre a cerca, com o senhor Blank, como
a senhora Pickett, do outro lado da casa do homem, costumava fazer? Ou ela
cairia no choro, chamaria o papai, que mandaria a retaliação que nosso vizinho “esquentado”
certamente merecia?
Mamãe não fez nada disso. De cara
triste (pois as galinhas eram de raça, muito caras), mas com toda calma, ela
observou as aves que ainda batiam as asas. “Tragam o machado”, ela pediu ao meu
irmão. “E ponha água pra esquentar”, disse à minha irmã.
Em breve, um delicioso aroma de
galinha assando permeava a casa. Toda perda traz consigo um pequeno lucro, era
o sentimento geral, à medida que nosso apetite infantil ansiava pela hora do
jantar. Teríamos galinha com arroz e farofa, ou galinha com batata assada, eu
me perguntava.
Seria galinha com batata assada,
logo fiquei sabendo; duas batatas para cada um de nós. Fiquei observando minha
mãe descascar as batatas e colocá-las cuidadosamente na assadeira em que as
galinhas estavam, quase prontas. As batatas assariam e ficariam bem douradas e
crocantes
Continuei de olho enquanto mamãe
fazia um bolo de limão recheado de creme e coberto com glacê branquinho e fofo
e com coco ralado. Mmmm. Igual a quando fazemos aniversário ou quando há um
piquenique da igreja, pensei enquanto lambia a tigela.
Quando a iguaria ficou pronta,
mamãe pediu que minhas irmãs mais velhas pusessem a mesa, pois ela daria uma
corridinha até a casa do senhor Blank.
“Do senhor Blank! O que a senhora
vai fazer lá?”, perguntamos atônitos e a uma só voz.
“Vou levar um prato de galinha
com batatas e um pedaço de bolo, e dizer que sinto muitíssimo o estrago que as
galinhas fizeram em sua alface”, mamãe respondeu tranquilamente.
“Mas, mamãe”, exclamei com
indignação, “ ele não passa de um velho rabugento! Ele xingou todos nós e
nossas galinhas; disse palavrões da pior espécie! Ora bolas, ele disse...”.
“Sossegue, meu bem. Não ligue pra o que ele disse. O senhor
Blank é um homem solitário, infeliz e não é cristão. Devemos ter pena dele e
ser muito gentis com ele. O senhor Blank é nosso vizinho e nossa
responsabilidade.”
Com muita ansiedade, fiquei
observando tudo, de trás de um arbusto. O que aconteceria com minha mãe? Um
homem que, em um acesso de raiva, é capaz de destroncar galinhas, é capaz de
fazer qualquer coisa. Peguei um pedaço de pau bem grande. Estar “armado”, já me
tranquilizou. Meus irmãos espiavam pela janela da sala de jantar. Temendo e
tremendo, esperamos.
Mas a atitude de minha mãe não
demonstrava nenhuma timidez quando ela saiu rapidamente, ombros eretos, e bateu
à porta da frente do senhor Blank, com uma bandeja coberta por um guardanapo.
Ainda visualizo as amarras de seu
avental branco flutuando ao vento, e sinto o nó que o medo deu em minha
garganta quando mamãe bateu à porta e entregou ao terrível senhor Blank sua
oferta de paz.
Coitado do senhor Blank. Ele,
cujo vocabulário nunca teve falta de epítetos para expressar sua raiva, não
conseguia pronunciar uma única palavra! Mesmo uma criança zangada conseguia ter
um pingo de dó ao ver o homem parado ali à porta, encabulado, envergonhado e
mudo diante da sinceridade e gentileza de minha mãe.
Lembrando-me de como minha mãe
viveu e morreu, entendi que ela nunca deixou de ser quem era; ela sempre agiu
de acordo com seu caráter em qualquer situação e acontecimento. Sua fé em Deus
e na qualidade imutável de sua Palavra era profundamente simples. Se Jesus
disse: “Ame o seu inimigo, abençoe quem amaldiçoar você, faça o bem a quem
odeia você, e ore por quem o maltrata” — então era exatamente isso que ele
queria dizer, e seus discípulos deveriam obedecer ao mandamento de modo
bastante literal.
Digo sempre que minha mãe vivia
de acordo com “DAD”[significa ‘pai’, em inglês]. “Para viver a vida cristã,
necessitamos de uma porção de determinação”, ela dizia, “e toda audácia que
conseguirmos ajuntar e, então, quando Deus acrescenta sua graça maravilhosa,
todos conseguem viver em paz “.
Pensando bem, acho que minha mãe
era uma mulher singular. Gostaria de ser mais igual a ela!
(The Voice of the Nazarene)
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