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08 maio 2016

MÃE SINGULAR



Acompanhando o vocabulário raivoso, alto e profano de um homem, duas galinhas voaram sobre a cerca que dividia nosso quintal e a horta do vizinho. As galinhas voaram, não por conta própria, mas porque seus pescoços haviam sido torcidos.
Nós, crianças, estávamos brincando de esconde-esconde. Agora, ficamos paralisados no lugar, olhos arregalados de horror, ouvindo em absoluto silêncio os palavrões de nosso vizinho, o senhor Blank, que vistoriava o estrago que as valiosas galinhas poedeiras de minha mãe haviam causado a uma fileira de suas tenras alfaces.
Recobrando de nosso silêncio atordoante, disparamos rumo à cozinha para informar à mamãe esse acontecimento ofensivo.
Quatro animadas e raivosas crianças, falando de uma vez, descreveram a situação de modo bastante dramático e adequado, e ficaram esperando para ver o que a mãe iria fazer. Será que ela sairia correndo lá pra fora e berraria, sobre a cerca, com o senhor Blank, como a senhora Pickett, do outro lado da casa do homem, costumava fazer? Ou ela cairia no choro, chamaria o papai, que mandaria a retaliação que nosso vizinho “esquentado” certamente merecia?
Mamãe não fez nada disso. De cara triste (pois as galinhas eram de raça, muito caras), mas com toda calma, ela observou as aves que ainda batiam as asas. “Tragam o machado”, ela pediu ao meu irmão. “E ponha água pra esquentar”, disse à minha irmã.
Em breve, um delicioso aroma de galinha assando permeava a casa. Toda perda traz consigo um pequeno lucro, era o sentimento geral, à medida que nosso apetite infantil ansiava pela hora do jantar. Teríamos galinha com arroz e farofa, ou galinha com batata assada, eu me perguntava.
Seria galinha com batata assada, logo fiquei sabendo; duas batatas para cada um de nós. Fiquei observando minha mãe descascar as batatas e colocá-las cuidadosamente na assadeira em que as galinhas estavam, quase prontas. As batatas assariam e ficariam bem douradas e crocantes
Continuei de olho enquanto mamãe fazia um bolo de limão recheado de creme e coberto com glacê branquinho e fofo e com coco ralado. Mmmm. Igual a quando fazemos aniversário ou quando há um piquenique da igreja, pensei enquanto lambia a tigela.
Quando a iguaria ficou pronta, mamãe pediu que minhas irmãs mais velhas pusessem a mesa, pois ela daria uma corridinha até a casa do senhor Blank.
“Do senhor Blank! O que a senhora vai fazer lá?”, perguntamos atônitos e a uma só voz.
“Vou levar um prato de galinha com batatas e um pedaço de bolo, e dizer que sinto muitíssimo o estrago que as galinhas fizeram em sua alface”, mamãe respondeu tranquilamente.
“Mas, mamãe”, exclamei com indignação, “ ele não passa de um velho rabugento! Ele xingou todos nós e nossas galinhas; disse palavrões da pior espécie! Ora bolas, ele disse...”.
“Sossegue, meu bem. Não ligue pra o que ele disse. O senhor Blank é um homem solitário, infeliz e não é cristão. Devemos ter pena dele e ser muito gentis com ele. O senhor Blank é nosso vizinho e nossa responsabilidade.”
Com muita ansiedade, fiquei observando tudo, de trás de um arbusto. O que aconteceria com minha mãe? Um homem que, em um acesso de raiva, é capaz de destroncar galinhas, é capaz de fazer qualquer coisa. Peguei um pedaço de pau bem grande. Estar “armado”, já me tranquilizou. Meus irmãos espiavam pela janela da sala de jantar. Temendo e tremendo, esperamos.
Mas a atitude de minha mãe não demonstrava nenhuma timidez quando ela saiu rapidamente, ombros eretos, e bateu à porta da frente do senhor Blank, com uma bandeja coberta por um guardanapo.
Ainda visualizo as amarras de seu avental branco flutuando ao vento, e sinto o nó que o medo deu em minha garganta quando mamãe bateu à porta e entregou ao terrível senhor Blank sua oferta de paz.
Coitado do senhor Blank. Ele, cujo vocabulário nunca teve falta de epítetos para expressar sua raiva, não conseguia pronunciar uma única palavra! Mesmo uma criança zangada conseguia ter um pingo de dó ao ver o homem parado ali à porta, encabulado, envergonhado e mudo diante da sinceridade e gentileza de minha mãe.
Lembrando-me de como minha mãe viveu e morreu, entendi que ela nunca deixou de ser quem era; ela sempre agiu de acordo com seu caráter em qualquer situação e acontecimento. Sua fé em Deus e na qualidade imutável de sua Palavra era profundamente simples. Se Jesus disse: “Ame o seu inimigo, abençoe quem amaldiçoar você, faça o bem a quem odeia você, e ore por quem o maltrata” — então era exatamente isso que ele queria dizer, e seus discípulos deveriam obedecer ao mandamento de modo bastante literal.
Digo sempre que minha mãe vivia de acordo com “DAD”[significa ‘pai’, em inglês]. “Para viver a vida cristã, necessitamos de uma porção de determinação”, ela dizia, “e toda audácia que conseguirmos ajuntar e, então, quando Deus acrescenta sua graça maravilhosa, todos conseguem viver em paz “.
Pensando bem, acho que minha mãe era uma mulher singular. Gostaria de ser mais igual a ela!
(The Voice of the Nazarene)

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